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A tecnologia tem entregue uma infinidade de benefícios ao nosso dia a dia. Entretanto, é essencial reconhecer que, neste cenário de inovações onde uma variedade enorme de dispositivos é criada para otimizar nosso bem-estar, também há um aspecto negativo. Quando usada de maneira inadequada ou desenvolvida de forma imprudente, a tecnologia pode gerar consequências prejudiciais para as pessoas e para a sociedade em geral.

No mundo atual, onde fomos desafiados buscar soluções que pudessem aprimorar nossa qualidade de vida em meio à pandemia para frear a disseminação da COVID-19, a tecnologia nos deu a oportunidade de estarmos conectados e efetuarmos tarefas fundamentais de maneira remota, como operações bancárias online, reuniões de trabalho à distância e pedidos de comida por meio de apps de delivery.

“As tecnologias que nos defendem, simplificam nossas atividades cotidianas e aprimoram nossas experiências também estão sendo usadas por malfeitores para exercer controle sobre suas vítimas.”

Não podemos fechar os olhos para a realidade em que indivíduos exploram vulnerabilidades tanto em softwares quanto no comportamentos humanos para provocar danos. É necessário admitir que a tecnologia sempre serviu como um instrumento facilitador para a prática de vários tipos de abusos, por exemplo:

Vazamento de informações pessoais

A tecnologia pode tornar mais fácil para os hackers acessarem informações pessoais, como dados bancários, senhas, fotos e vídeos íntimos, entre outros.

Golpes financeiros

Criminosos podem usar a tecnologia para criar esquemas de phishing, spam e outros golpes para enganar as pessoas e obter informações financeiras.

Violência doméstica

A tecnologia pode ser usada para monitorar, controlar e ameaçar as vítimas de violência doméstica.

Discriminação online

A tecnologia pode permitir que pessoas sejam discriminadas com base em sua raça, gênero, orientação sexual, religião ou outras características pessoais.

Sexting não consensual

O uso da tecnologia para compartilhar fotos e vídeos sexuais sem o consentimento da outra pessoa.

Dependência tecnológica

O uso excessivo da tecnologia pode levar à dependência, isolamento social e problemas de saúde mental.

Ciberbullying

O uso da tecnologia para assediar, intimidar, humilhar ou difamar outra pessoa.

Ameaças, humilhações e intimidação

Entre esses abusos o que mais tem crescido entre é o doméstico, aliado a uma característica que necessita ser destacada, que é o controle coercitivo, que é uma variação da violência doméstica, mas que não inclui necessariamente ataques físicos. O resultado é o isolamento da vítima de sua rede de apoio familiar e de amigos, ficando totalmente dependente de alguém que lhe dirige ataques, ameaças, humilhações e intimidação.

Embora muitos vejam o controle coercitivo como um problema que afeta apenas as mulheres, ele tem ramificações mais amplas na sociedade, pois pode acontecer em qualquer tipo de relacionamento, especialmente onde há um desequilíbrio de poder. Alguns exemplos seriam entre cuidadores e pessoas vulneráveis, idosos ou deficientes, dentro de instituições e até mesmo no local de trabalho.

“Quando vemos uma nova tecnologia surgir, as pessoas costumam pensar que sua vida vai ser muito mais segura, mas muitas vezes o que vemos é o oposto”

A violência doméstica é um problema generalizado na sociedade que afeta tanto as economias desenvolvidas quanto as mais pobres. Abaixo seguem alguns números:

  • Nos Estados Unidos, 1 em cada 3 mulheres sofreu violência física de um parceiro íntimo
  • Uma pesquisa em toda a UE indicou que 22% das mulheres sofreram violência por parte de um parceiro.
  • Segundo a ONU Mulheres, em alguns países, as linhas diretas de apoio à violência doméstica registraram um aumento de até 300% nas chamadas durante a pandemia.
  • De acordo com uma pesquisa do Instituto Avon, 71% das mulheres brasileiras entrevistadas relataram terem sido vítimas de violência virtual, incluindo assédio e difamação online.
  • O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) do Brasil informou que, em 2020, houve um aumento de 431% no número de processos relacionados à violência doméstica com uso da internet em comparação com o ano anterior.
  • Nos Estados Unidos, um relatório do National Domestic Violence Hotline indicou que 84% das pessoas que entraram em contato com a linha direta relataram que seus parceiros usaram a tecnologia para controlá-los ou assediá-los durante a pandemia.
  • Na África subsaariana, acredita-se que a violência praticada pelo parceiro seja uma realidade para 65% das mulheres.

Esses são apenas alguns exemplos de como a violência doméstica relacionada ao abuso virtual é um problema sério e crescente em todo o mundo.

Mas o que o design tem a ver com isso?

É especialmente preocupante que aplicativos projetados com boas intenções estejam sendo explorados para fins maliciosos, pois esses aplicativos podem ter acesso a informações confidenciais e pessoais dos usuários. Além disso, muitas pessoas confiam nesses aplicativos para manter suas informações seguras e privadas, e podem não estar cientes dos riscos de segurança que eles representam.

Quando aplicativos projetados para ajudar as pessoas a se conectarem e se comunicarem são usados para assediar, ameaçar ou espionar outras pessoas, isso pode ter consequências graves e duradouras para as vítimas. É importante que os designer sejam proativos na prevenção de abusos em seus aplicativos e na proteção dos usuários contra esses tipos de comportamentos maliciosos.

Algumas vítimas de abusos digitais podem ter dificuldades para escapar do problema devido a uma falta de conhecimento técnico. Muitas pessoas podem não estar cientes de que estão sendo monitoradas ou de que suas atividades online estão sendo rastreadas. Além disso, algumas vítimas podem não saber como bloquear ou denunciar seus abusadores nas plataformas digitais.

Isso é particularmente problemático em casos de abuso doméstico, onde a vítima pode não ter acesso a dispositivos ou serviços online seguros e privados. Nesses casos, pode ser difícil para a vítima buscar ajuda ou encontrar recursos online para ajudá-las a lidar com o abuso. É importante que as empresas de tecnologia e organizações de apoio trabalhem juntas para garantir que as vítimas de abuso possam acessar recursos e serviços de apoio online, independentemente de seu nível de conhecimento tecnológico.

Alguns princípios de design podem ajudar desenvolvedores, designers, arquitetos e qualquer outra pessoa criar novas tecnologias, tornar as vidas mais seguras reduzindo o risco de ações coercitivas habilitadas pela tecnologia ao controle. Esses profissionais podem ter um papel importante na prevenção e combate aos abusos digitais e na proteção das vítimas. Aqui estão algumas maneiras pelas quais o Design pode ajudar:

Design inclusivo

O Design deve ser inclusivo e acessível para todos, independentemente do seu nível de conhecimento tecnológico. Os aplicativos e dispositivos devem ser fáceis de usar e entender, com recursos de segurança claros e simples de acessar.

Proteção de privacidade

As configurações de privacidade devem ser fáceis de encontrar e personalizar, permitindo que os usuários controlem quem pode ver suas informações e atividades online.

Sinais de alerta

O Design pode incluir sinais de alerta e notificações para informar aos usuários quando algo está errado. Por exemplo, um aplicativo pode notificar um usuário se alguém está tentando acessar sua conta sem permissão.

Recursos de denúncia

Os aplicativos e dispositivos devem incluir recursos de denúncia claros e simples para que as vítimas possam relatar abusos e obter ajuda rapidamente.

Suporte emocional

O Design pode incluir recursos de suporte emocional para ajudar as vítimas a lidar com o trauma e obter ajuda. Isso pode incluir recursos de aconselhamento ou conexão com organizações de apoio.

Feitas para o bem mas usadas para o mal

Se trata de “Poder e controle”. Abaixo alguns exemplos de ferramentas que foram feitas para o bem mas que podem ser utilizadas para o mal:

Aplicativos de espionagem

Existem aplicativos que permitem que alguém espie remotamente o telefone ou computador de outra pessoa sem o conhecimento ou consentimento dela. Esses aplicativos são frequentemente comercializados como ferramentas de monitoramento parental ou de controle empresarial, mas também são usados para espionar parceiros, ex-parceiros ou outras pessoas sem o seu consentimento.

Redes sociais

As redes sociais podem ser usadas para assediar, ameaçar ou difamar outras pessoas. As mensagens privadas, comentários e publicações podem ser usadas para espalhar informações falsas ou prejudiciais sobre alguém ou para assediá-los virtualmente.

Tecnologias de rastreamento

Algumas tecnologias de rastreamento podem ser usadas para rastrear ou monitorar pessoas sem o seu conhecimento ou consentimento. Isso pode ser feito usando GPS em telefones celulares ou tecnologias de reconhecimento facial para monitorar as atividades de alguém.

Campainha eletrônica

Esse dispositivo que permite ver remotamente quem está na porta foi desenvolvido pensando na segurança. No entanto, a funcionalidade de captura de movimento pode ser usada para monitorar as vítimas, com notificações instantâneas enviadas quando é feita uma tentativa de sair de casa.

O aplicativo de cartão de crédito

Ele fornece notificações de compra foi criado para ajudar a combater fraudes. No entanto, seu uso pode fornecer maior controle sobre as vítimas, com os detalhes de seus gastos sendo constantemente monitorados.

Um estudo recente constatou que 80% dos entrevistados globais concordaram com a afirmação de que as corporações têm a responsabilidade de priorizar seus funcionários, o meio ambiente e sua comunidade tanto quanto priorizam a geração de lucros para seus acionistas. Criar produtos que não contribuam ou facilitem os problemas da sociedade é uma responsabilidade ética de todos, não apenas porque é a coisa certa a fazer, mas também porque é a melhor abordagem de negócios.

É dever do designer melhorar a usabilidade, segurança e privacidade

Embora a tecnologia tenha trazido inúmeros benefícios para a sociedade, como a conexão global e a conveniência das entregas em domicílio, é importante reconhecer que também pode ser usada para explorar indivíduos vulneráveis. Esses abusos, especialmente o doméstico não se limita apenas à violência física, pois os agressores muitas vezes buscam manipular e controlar suas vítimas por meio de tecnologias projetadas para conectá-las. Infelizmente, essa exploração pode resultar em sofrimento emocional e psicológico significativo para as vítimas.

É dever do designer melhorar a usabilidade, segurança e privacidade de novas tecnologias para torná-las mais seguras. O abuso facilitado pela tecnologia é uma questão desafiadora e não há uma solução simples acabar com ela.

Há vários cases de prevenção de abusos digitais que podem ser encontrados em diferentes setores e contextos. Aqui estão alguns exemplos:

Disney

A Disney desenvolveu uma plataforma online chamada “Disneymix”, que permite que crianças se conectem com amigos e familiares de forma segura. A plataforma inclui recursos de privacidade, como a necessidade de aprovação dos pais antes que as crianças possam se conectar com outras pessoas, além de ferramentas para denunciar e bloquear comportamentos inadequados.

Facebook

O Facebook criou ferramentas para ajudar os usuários a denunciar e bloquear conteúdo ofensivo ou abusivo. Além disso, a plataforma emprega moderadores que trabalham para identificar e remover conteúdo inapropriado.

Microsoft

A Microsoft desenvolveu uma ferramenta chamada “PhotoDNA” que ajuda a identificar e remover imagens de abuso sexual infantil da internet. A ferramenta foi criada em colaboração com a National Center for Missing and Exploited Children dos EUA e é usada por empresas de tecnologia em todo o mundo.

Governo do Reino Unido

O governo do Reino Unido criou o “Revenge Porn Helpline”, uma linha de ajuda que oferece apoio e orientação para vítimas de “revenge porn” (pornografia de vingança). A linha também trabalha para identificar e remover imagens inapropriadas da internet.

Uber

A Uber criou um recurso chamado “Check Your Ride” que ajuda os usuários a confirmar se estão entrando no carro certo antes de iniciar uma viagem. O recurso inclui verificação de segurança do motorista e informações do veículo, como placa e modelo.

É uma questão complexa que requer esforços em várias frentes para ser abordada de forma eficaz. Isso inclui trabalhar para aumentar a conscientização sobre o problema, educar as pessoas sobre segurança online e abuso digital, desenvolver tecnologia mais resistente ao abuso, fortalecer leis e políticas de proteção às vítimas e garantir que as autoridades competentes tenham os recursos necessários para lidar com esses casos. É importante abordar a questão de forma abrangente e colaborativa, envolvendo uma ampla gama de partes interessadas, desde indivíduos e empresas de tecnologia até organizações da sociedade civil e governos.