Como a Revolução da Inteligência Artificial Pode Ampliar as Desigualdades Sociais

A desigualdade digital se refere à diferença no acesso e uso de tecnologias da informação e comunicação entre diferentes grupos sociais. Isso inclui não apenas o acesso físico a dispositivos e conexão à internet, mas também a habilidade e conhecimento para utilizar essas tecnologias de forma eficiente.

É importante lembrar que o acesso à informação é um direito humano fundamental reconhecido pela ONU e deve ser garantido pelos governos em todas as suas esferas. Além disso, a democratização da informação é essencial para o desenvolvimento social e econômico, pois permite que as pessoas tenham acesso a conhecimentos e oportunidades que podem melhorar suas vidas.

Essa desigualdade pode afetar várias áreas da vida, desde a educação e acesso a informações até a participação na sociedade e no mercado de trabalho. Pessoas que têm menor acesso e habilidade em tecnologia correm o risco de ficar para trás em relação aos avanços tecnológicos e oportunidades que eles proporcionam.

Países em desenvolvimento e populações marginalizadas como o Brasil, muitas vezes enfrentam uma desigualdade digital mais acentuada, já que têm menos recursos e acesso limitado a infraestrutura tecnológica. Além disso, as desigualdades digitais podem levar a uma concentração de poder econômico e político nas mãos daqueles que têm maior acesso e habilidade em tecnologia, criando uma “elite digital” em detrimento da maioria da população.

Desigualdades sociais e econômicas

Em seu livro “21 Lições para o Século 21”, Harari argumenta que a revolução tecnológica pode aumentar ainda mais a desigualdade global, criando uma “pequena elite de super-humanos” que possuem acesso e controle sobre a tecnologia, enquanto outros são deixados para trás. Ele também afirma que, se não fizermos nada para corrigir essa desigualdade, podemos estar caminhando para uma “distopia digital” em que a tecnologia acentua as desigualdades sociais e econômicas em vez de ajudar a combatê-las.

“A ficção científica atual frequentemente comete o erro de confundir inteligência com consciência, tornando-se excessivamente preocupada com a possibilidade de uma guerra entre robôs e humanos. Entretanto, talvez devêssemos nos concentrar mais em um possível conflito entre uma pequena elite de super-humanos amplificados por algoritmos e uma grande subclasse de seres humanos comuns sem nenhum poder. Em relação ao futuro da IA, as ideias de Karl Marx podem ser mais relevantes do que as de Steven Spielberg.” Yuval Harari

Harari defende que os governos precisam trabalhar para garantir que a tecnologia seja acessível a todos, independentemente de sua situação econômica ou social. Isso pode envolver investimentos em infraestrutura de tecnologia, programas de treinamento e capacitação para habilidades digitais e políticas públicas que promovam a inclusão digital. Em última análise, ele acredita que a tecnologia pode ser uma força positiva para a humanidade, desde que seja utilizada de maneira justa e equitativa.

Onde está a origem do problema?

A origem do problema está nas nossas próprias limitações e preconceitos, que podem ser incorporados e amplificados pela inteligência artificial. A IA aprende com dados históricos fornecidos por humanos, e, muitas vezes, esses dados carregam preconceitos sociais, raciais e de gênero existentes.

Para evitar essa exclusão digital crescente, é fundamental que as empresas e desenvolvedores implementem processos rigorosos de auditoria e revisão dos dados usados para treinar algoritmos, buscando garantir que sejam representativos e livres de vieses. Além disso, a diversidade nas equipes de desenvolvimento pode ajudar a identificar e mitigar esses preconceitos, promovendo uma IA mais justa e inclusiva.

No setor financeiro por exemplo, a automação e o uso de algoritmos complexos para negociação de ações (conhecido como high-frequency trading) criaram uma vantagem para grandes corporações e fundos de investimento com acesso a tecnologia e infraestrutura avançada. Esses algoritmos podem processar milhares de transações por segundo, lucrando com pequenas variações de preço em uma velocidade inalcançável para investidores comuns. Esse tipo de operação não apenas concentra mais riqueza nas mãos de grandes investidores, mas também contribui para uma instabilidade nos mercados financeiros, onde um grande número de transações automatizadas pode amplificar crises econômicas.

Outro exemplo é o setor de recrutamento e seleção, onde a IA e os algoritmos de triagem de currículos têm sido amplamente adotados para reduzir custos e acelerar o processo de contratação. No entanto, esses sistemas são frequentemente treinados com dados históricos, o que pode refletir preconceitos e padrões de discriminação, como favorecer perfis de candidatos com experiência em determinadas universidades ou grandes empresas. Isso limita as oportunidades para candidatos de classes sociais mais baixas ou de minorias, que podem não ter tido as mesmas oportunidades educacionais e profissionais, perpetuando desigualdades.

Além disso, na área da saúde, a IA está permitindo avanços notáveis em diagnósticos e tratamentos personalizados, mas os custos de acesso a essas tecnologias são, muitas vezes, elevados. Nos Estados Unidos, por exemplo, sistemas de IA que auxiliam no diagnóstico de câncer ou doenças raras estão disponíveis em hospitais de ponta, mas o acesso a esses serviços pode ser restrito a pacientes com melhores condições financeiras ou cobertura de saúde avançada, excluindo populações de baixa renda.

Alguns outros exemplos desse comportamento você pode ler nesse outro artigo.

Aumento da Desigualdade Econômica devido à IA

O uso crescente de inteligência artificial tem o potencial de transformar o mercado de trabalho, mas também traz o risco de agravar as desigualdades econômicas, especialmente entre trabalhadores qualificados e não qualificados. À medida que a IA substitui tarefas repetitivas e padronizadas, as empresas tendem a buscar profissionais altamente capacitados para funções mais estratégicas e de maior valor agregado. Isso cria uma lacuna entre os trabalhadores que têm acesso a educação e treinamento avançados e aqueles que não têm, limitando as oportunidades para quem possui menos qualificações.

Além disso, a IA permite que empresas automatizem processos e aumentem a produtividade com menos dependência de força de trabalho tradicional, o que pode levar à eliminação de empregos em setores como manufatura, atendimento ao cliente e transporte. Essa substituição não apenas reduz oportunidades para trabalhadores de baixa qualificação, mas também amplia a concentração de riqueza entre empresas e indivíduos que controlam essas tecnologias.

Outro aspecto importante é o surgimento de um “prêmio da automação,” onde uma pequena elite de profissionais especializados em IA, como cientistas de dados e engenheiros de aprendizado de máquina, são altamente valorizados. Essa valorização desequilibrada de habilidades específicas cria uma divisão econômica em que a riqueza e as oportunidades são fortemente concentradas entre um grupo reduzido de especialistas, enquanto outros segmentos da população enfrentam estagnação salarial e menor mobilidade social.

Para mitigar esses efeitos, é essencial que governos e empresas invistam em programas de requalificação e capacitação em larga escala, preparando trabalhadores para funções que complementem e coexistam com a IA, em vez de serem substituídos por ela.

O que podemos fazer para evitar?

A inovação trazida pela Inteligência Artificial precisa ser acessível para todas as camadas da sociedade. Há várias coisas que podem ser feitas para promover a democratização da IA e garantir que seus benefícios sejam acessíveis a todos, independentemente de sua posição socioeconômica. Algumas ações incluem:

  • Incentivar a educação em ciência, tecnologia, engenharia e matemática em escolas de baixa renda e comunidades carentes. Isso pode incluir o fornecimento de recursos educacionais, programas de treinamento e bolsas de estudo.
  • Desenvolver soluções de IA que sejam acessíveis e fáceis de usar para pessoas com diferentes níveis de habilidade e conhecimento técnico.
  • Garantir que a ética seja uma prioridade no desenvolvimento e uso de IA, de modo que ela seja usada para o bem comum e não cause mais desigualdades.
  • Criar políticas e regulamentações que incentivem o desenvolvimento de tecnologias que beneficiem todos os grupos sociais, em vez de apenas um segmento privilegiado.
  • Promover a colaboração entre organizações, governos e comunidades para garantir que a IA seja usada para resolver problemas sociais complexos, como pobreza, desigualdade e mudanças climáticas.
  • Garantir que os benefícios da IA sejam distribuídos de forma equitativa, por meio da criação de programas sociais e de políticas que ajudem a reduzir as desigualdades sociais e econômicas.
  • Investir em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de IA acessíveis e voltadas para o bem-estar social, em vez de apenas para fins comerciais.

And in the End…

A inteligência artificial promete transformar nossas vidas, mas essa revolução só será benéfica se os avanços tecnológicos forem acompanhados de uma preocupação real com a inclusão digital. É essencial que governos, empresas e organizações da sociedade civil trabalhem juntos para garantir que a IA seja acessível, justa e desenvolvida com responsabilidade social.

A promoção da igualdade digital vai além de fornecer dispositivos e conexão; envolve o desenvolvimento de políticas públicas, investimentos em educação digital, e a criação de regulamentações que evitem o uso discriminatório da tecnologia.

Vamos, como sociedade, nos comprometer a combater a desigualdade digital, promovendo uma IA que traga benefícios para todos, independentemente de classe social ou localização geográfica. Só assim construiremos um futuro em que a tecnologia impulsione oportunidades iguais para todos.