O papel do designer vai muito além de criar soluções estéticas. Ele precisa estar imerso no contexto das pessoas, onde elas vivem, trabalham, e interagem com as ferramentas e serviços que desenhamos. Apenas imaginar o que as pessoas precisam, ou como elas utilizam as soluções, é um exercício fictício e uma ilusão perigosa. E, além disso, é uma brincadeira que custa caro.
Sem uma investigação adequada, a suposição sobre as necessidades e comportamentos dos usuários é ineficaz. Decisões de design baseadas em achismos, sem fundamentação em dados ou contato direto com o usuário, resultam em soluções mal direcionadas. Esse tipo de abordagem pode gerar desperdício de recursos — tempo, dinheiro e esforço. Quando falamos que essa abordagem “custa caro”, estamos nos referindo não só aos recursos financeiros, mas também ao impacto negativo no desenvolvimento do produto ou serviço. Soluções criadas sem validação empírica frequentemente exigem retrabalho e ajustes posteriores, além de frustrarem os usuários por não atenderem suas reais necessidades.
O Perigo das Ilusões
O uso do termo “ilusão” reforça o perigo de confiar apenas na dedução sem a devida pesquisa. Mesmo que o designer acredite ter uma boa compreensão do usuário, sem validação, essa compreensão é superficial e pode levar a um falso senso de segurança. Isso destaca a importância da empatia, da escuta ativa e da pesquisa de campo no design — ferramentas que ajudam a evitar soluções desconectadas da realidade.
O que se critica aqui é o chamado “design de gabinete” — aquele em que as soluções são criadas em isolamento, sem qualquer interação com o público final. Essa prática afasta o designer da realidade do usuário e frequentemente resulta em produtos que falham na prática, mesmo que pareçam bem fundamentados na teoria.
O Processo de Descoberta
O designer precisa estar com o cliente de coração e mente abertos, permitindo que eles expressem suas dores, necessidades e valores em um processo de descoberta repleto de possibilidades. A pesquisa de campo exige não apenas vontade, mas também conhecimento técnico sobre como conduzir essas interações. Não basta querer fazer; é imprescindível saber como fazer.
Para que a coleta de informações seja efetiva, é necessário criar um ambiente propício para que o usuário compartilhe insights valiosos. Nessa corrida contra o tempo, o uso de ferramentas e técnicas adequadas é indispensável. Sem essas práticas, a investigação corre o risco de ser superficial, levando a conclusões equivocadas.
A Importância da Escuta Ativa
Frequentemente, tendemos a desprezar aptidões como ouvir e falar, tratando-as como habilidades automáticas. No entanto, essas competências exigem adaptabilidade ao contexto e prática contínua. Por exemplo, em uma entrevista, além de fazer perguntas pertinentes, precisamos criar um ambiente amigável para o entrevistado, improvisando conforme as descobertas surgem. Não existe um script definitivo que possa prever todos os desdobramentos de uma conversa.
Grandes entrevistadores como Jô Soares, Marília Gabriela, Geneton Moraes Neto e Pedro Bial, cada um ao seu estilo, atingiram o tão sonhado “flow” — transformando a entrevista em uma conversa fluida. O sorriso, o olhar, e os gestos contribuem para identificar se atingimos esse estágio avançado de uma conversa.
Os profissionais de produto, especialmente os designers, precisam dominar a escuta ativa. Não basta apenas motivação; é preciso organização e, principalmente, um estudo contínuo de técnicas que nos levem a capturar informações relevantes para o processo de design.
Técnicas de Pesquisa
Para evitar suposições e garantir que as soluções atendam às reais necessidades dos usuários, os designers podem recorrer a uma série de técnicas de pesquisa. Algumas das principais incluem:
- Entrevistas em profundidade – conversas detalhadas com usuários para explorar suas experiências e motivações.
- Observação em campo (Etnografia) – acompanhamento do usuário em seu ambiente natural, observando seu comportamento real.
- Testes de usabilidade – avaliação de protótipos ou produtos por usuários reais para identificar problemas de usabilidade.
- Jornada do usuário (User Journey Mapping) – mapeamento visual das etapas da interação do usuário com o produto ou serviço.
- Personas – criação de perfis fictícios baseados em dados reais para representar os diferentes tipos de usuários.
- Grupos focais (Focus Groups) – discussões em grupo moderadas para explorar atitudes e opiniões dos usuários.
- Questionários e pesquisas quantitativas – coleta de dados estruturados de grandes amostras para quantificar comportamentos e opiniões.
- Diários de uso – usuários registram suas atividades e experiências ao longo do tempo, fornecendo insights contínuos.
- Análise heurística – avaliação do produto com base em diretrizes de usabilidade por especialistas.
- Card Sorting – técnica para entender como os usuários organizam informações, ajudando a otimizar a arquitetura da informação.
Uma Ferramenta de Transformação
Acredito que o design é uma verdadeira ferramenta de transformação, aplicável a diversas outras profissões. No entanto, o design ainda é subestimado em muitos ambientes. A ponto de alguns acreditarem que podem realizar atividades de design sem a devida preparação. Precisamos respeitar os limites das profissões, mas isso não significa afastar outras áreas do nosso ecossistema.
O design tem um papel fundamental em integrar diferentes saberes e criar soluções que tragam impacto significativo para as pessoas. Designers são vetores, ajudantes, coletores e operários no desenvolvimento de soluções que podem transformar vidas — seja de um indivíduo ou de uma comunidade. Por isso, temos a responsabilidade de aproximar pessoas de diferentes áreas, potencializando a capacidade de cada um em “extrair informações” valiosas.
Em última instância, o design é sobre empatia, sobre estar onde o povo está, entendendo suas reais necessidades para criar algo significativo — uma solução que vá além do estético, que transforma o dia a dia e melhora a experiência humana.